quarta-feira, 6 de abril de 2011

'Dentro de Mim'

“Somos pássaro novo
Longe do ninho
Eu sei! Eu sei!...”


“Eu que já não sou assim
Muito de ganhar
Junto às mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
Só pra viver em paz”



'A cada vez que um segundo gira no ponteiro deste vida relógio, eu respiro deste ar. O vapor faz transpor meu corpo a tecer linhas, desenhar imagens, rir com a folha caindo, seguir os caminhos das formigas, dançar loucamente ao som desta cortina que se descortina no vento desta tarde e viver. A cada vez um mínimo, a cada instante um extremo, a cada lágrima um exagerado e cada dia, viver. A cada momento a felicidade de estar vendo a mulher a ensinar suas alunas a cantar Milton “O que foi feito devera”. A cada... '


Um gota de água mistura com o sal da terra arranca a sujeira de seu olho direito, com o dedo esquerdo agarra esta gota, joga ela no ar, dança loucamente, senti o ar pressionando sua pele e seus pelos tocarem os objetos. Os mínimos são grandes pra esta mulher. Mulher Maria que se faz viva incansavelmente, que vive o viver ao estremo, que vive o viverá com extrema força. Mulher Maria deixa cantos sem vácuo, exaurindo sua delicadeza artística ao real feito.

Mulher Maria Louca sai catando pelas alamedas, vestindo roupas rasgadas, rindo. Mulher Maria Amor liga, manda cartas dizendo o quão ama seus queridos. Ela se joga nas folhas destas árvores para sentir a textura das palavras. Mulher Maria Brecht senti seus personagens no teatro, vai ao cinema, vai a qualquer lugar, onde o lugar é aquele lugar desejado. Mulher Maria Maria vivendo o intenso prazer do simples.



“O que foi feito, amigo,
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida,
O que foi feito do amor
Quisera encontrar aquele verso menino
Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade,
Falo assim por saber
Se muito vale o já feito,
Mas vale o que será
Mas vale o que será
E o que foi feito é preciso
Conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza,
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
Nós iremos crescer,
Outros outubros virão
Outras manhãs, plenas de sol e de luz
Alertem todos alarmas
Que o homem que eu era voltou
A tribo toda reunida,
Ração dividida ao sol
E nossa vera cruz,
Quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par
Quando o cansaço era rio
E rio qualquer dava pé
E a cabeça rolava num gira-girar de amor
E até mesmo a fé não era cega nem nada
Era só nuvem no céu e raiz
Hoje essa vida só cabe
Na palma da minha paixão
Devera nunca se acabe,
Abelha fazendo o seu mel
No canto que criei,
Nem vá dormir como pedra e esquecer
O que foi feito de nós”



Maria procura o por quê de viver. Se algum de alguém achar, encontre-a numa esquina espasma de um sonho qualquer num sem graça de nada, de um amor que se foi, de tanto querer ser feliz.”


Maria escreveu este anúncio a um ano, quando após tentar parar de respirar. Motivos não haviam pra forçar seus pulmões a se oxigenar. Chorava em seu sofá, lembrando, lembrando...

Na passividade há meses, escutando Cazuza, fazia de sua mente um mar de vazio, por amar e não estar sendo querida, por não estar sendo plena, por não estar no palco. Da última vez que viu sua motivação, recorda-se dele dizendo “eu não gosto mais de você”. Em sua mente ficou na memória, ela derramando lágrimas, dando as costas a ele. Descendo as escadas, ouvindo o som das portas se fechando, das crianças brincando ao lado. No ponto esperando o ônibus, esperando a dor ser extraída de seu peito. Sentando no locomotivo observando os senhores conversando, e sua cabeça deitando-se sobre a janela, seus olhos captando as luzes desta cidade, onde as pessoas procuram emoções. Chegando em sua casa, chora ferozmente, recolhendo páginas em branco, fotos, cheiros e risos. Joga as lembranças fora e resguarda o luto em seu coração.

Dias de sentimentos quebrados, dissolvidos...meses sem sentir o perfume de se ver no espelho, de se gostar, de se querer viver, de dar valores ao fato de estar lendo estas palavras.

Para poder ser leve e os mínimos serem grandes, Maria compreendeu que precisa agradecer cada instante. Maria resolve ser aidética. Procura o HIV, o chama pra dentro de si. Nestes dias presentes ela transcende. Seu plano de querer dar motivos a cada momento, vivendo com garra e intensamente, sabendo que pode ser os últimos, dentro de um período de vida demarcado pela possibilidade de morte mais próxima. Agora Maria vive. O plano de Maria deu a cabo. Maria encontrou os por quês de viver.

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