terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Dr. Strangelove (texto com ênfase kubrickiana)


...ACONTECIMENTO ANTI-ÉTICO...
Nestes dias em que homens não mais se vêm, uma força descomunal tomou conta de meu consciente. Na linha das diretrizes do certo e errado, me pareceu ético tomar esta ação, saí a noite e busquei a Área 10, lá está o prazer sexual, hoje proibido. Neste lugar se encontra os indivíduos que não se adequaram ao novo sistema e vivem num submundo. Deveria participar desta classe, mas os outros da minha não sabem que tenho aversão ao Vedder. Quando ingiro a pílula me dói a cabeça e me recai náuseas.

Cheguei a parte estranha da metrópole através do transporte, chamado metrô. Em uma das ramificações havia blocos com separação e nas portas cartazes que davam as características dos indivíduos que estavam ali para disponibilizar prazer a partir desta forma subversiva. Andei uns seis blocos e encontrei a satisfação necessária para mim, um ser que gosta de outro do mesmo sexo. Combinei as moedas que daria pela ação, pelo videofone. Quando entrei, o vi, esticado sobre uma cama. Peguei a faca que estava em minha algibeira, e enfiei várias vezes em seu corpo. Vi ele as mínguas e vi sua morte, após retirei seu orgão genital e levei para meu bloco.

Cheguei em meu cubículo e coloquei no refrigerador o pênis. Cada indivíduo possui o seu cubículo, quando acorda de manhã vai ao seu emprego e lá fica até o astro maior Alfa30 sumir.

...PROPAGANDA (SOLIDÃO)...
Na câmera obscura aparecem um emaranhado de imagens e um áudio que transmite a mensagem:

Não há desvios de sensibilidade e personalidade, hoje os indivíduos vivem felizes.
A qualquer instante cada ser pode suprir as necessidades sentimentais.Em cada linha de metrô e a cada trinta blocos você encontra máquinas que em troca de uma moeda lhe dão um pílula Vedder. A maior invenção deste milênio, Dr. Strangelove desenvolveu esta substância que impede a idealização, algo chamado solidão, que arrasava a sociedade precária.

Solidão:
corrói em silêncio o ser quando este não está ao lado de um outro que transmite calor. Estes dois textos ilustram como a sociedade antiVedder lidavam com os sentimentos, a través de sublimações:

Já me acostumei com a tua voz Com teu rosto e teu olhar Me partiram em dois E procuro agora o que é minha metade Quando não estás aqui Sinto falta de mim mesmo E sinto falta do meu corpo junto ao teu Meu coração é tão tosco e tão pobre Não sabe ainda os caminhos do mundo Quando não estás aqui Tenho medo de mim mesmo E sinto falta do teu corpo junto ao meu Vem depressa pra mim Que eu não sei esperar Já fizemos promessas demais E já me acostumei com a tua voz Quando estou contigo estou em paz Quando não estás aqui Meu espírito se perde, voa longe.
(Sete Cidades- Legião Urbana)


Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo
De amargo então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
Forte, cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.
Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção.
Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque
Não vemos.
(Daniel na Cova dos Leões – Legião Urbana)

...INÍCIO (O FUTURO É INCERTO)...
Com a industrialização, os seres humanos se tornaram meras peças dessa engenhosa máquina chamada capitalismo. Passaram a viver sozinhos, ocupados com seus afazeres. Dessa maneira o índice de homicídio e suicídio aumentaram, graças a depressão provocada pela solidão.

Esta máquina é comandada pela empresa que se consolidou nos últimos anos, a Farmacêutica Dr. Strangelove. Por meio de infiltrações no final do século XXI, descobriu-se que alguns vírus como o HIV, T3, Meso e H1N1 foram criados por laboratórios, afim de poderem vender seus medicamentos para o tratamento de indivíduos contagiados, não eram tratamentos curativos e sim de assistência. Não traria tanto mais dinheiro um medicamento que deletasse o vírus do que o coquetel anti-Aids.

Quando a infiltração veio a púlblico, grande parcela da massa já era viciada em Vedder e a outra parte se revelou, mas foi violentamente jogada na Área 10, aqueles que tentavam uma manobra para combater os avanços da Dr. Strangelove eram mortos.

Todo tipo de ação filantrópica e outros métodos, como compreensão e intervenção em fenômenos psíquicos, que não utilizavam medicamentos foram extinguidos. Hoje a Psicologia não existe, o que persiste é a Psiquiatria.

... FIM (O QUE SE VÊ APÓS A MORTE?)...
Eu e Sabina fomos levados a um cubículo de paredes cinzas, sem orifícios para outros meios e o que tinha lá eram livros, aglomerados de embalagens estranhas em formato quadrangular. Havia dois tipos de tais objetos, o primeiro uma tanto comprido e o segundo parecendo um quadrado. Na parede erguiam-se plataformas, e nelas gavetas.

Muitos materias que meus olhos não tinham visto durante minha estadia sobre o Liceu, se encontravam ali. Ficamos minutos parados, até que três indivíduos trajando branco entraram no estabelecimento juntamente com Dr. Strangelove, eles nos amarraram com tecidos e nos injetaram um substância de coloração rosa.

Sangue escorreu pelo meu nariz e minha visão se tornou turva, comecei a tremer e a me desequilibrar, até cair no chão. Olhando para cima, vi escrito no teto, "ACERVO DE CULTURA DA SOCIEDADE PRECÁRIA", já não conseguia ouvir som algum e vomitei espumas.

Meu corpo não parava de se mexer, me virei de lado e pude enfim enxergar o que estava traçado na lombada dos livros: Psicologia, Psicanálise, Antropologia, Ciências Sociais e ao lado aqueles objetos em formato de quadrado, identificados como Cd's.

Meu peito já não mais movia, meu esôfago secou e meu pulmão parou de fazer trocas gasosas. O que vi por último foi a frase "A Clockwork Orange". Assim acabaram as tristezas, mas também as chances de felicidade.

...DR. STRANGELOVE...
Este que anda cabixbaixo, de olhar dominador, dono de uma voz rouca, rosto largo e trajado de barba preta com vestígios de fios brancos, este homem, este ser, não usuflui do seu próprio invento.

O vazio corrói o coração, a vazão para os sentimentos é um poço sem fim. Há indivíduos com os quais queria conversar, conhecer quando os viu por aí. Mas o acaso não deixou e a idealização permaneceu. E ele se pergunta por aqueles, que apenas entrelaçou seus olhos uma vez. Sabia que não voltaria a vê-los, e não os viu.

A solidão e a nostalgia apovaram qualquer humano, e este, Dr. Strangelove vive desta maneira, a par da esperança de um dia a vida lhe entregar uma conversa ou simplesmente um "Oi" daqueles que enxerga pelos cantos, andando, nas filas e nos recintos, tais como "bares e bibliotecas".

Em seus sonhos, desejava ser:

Aquele preto, tão preto
Co´aquela barba branca, tão preta
E aquele olhar tão meigo
De quem espera ganhar
Um sorriso incolor
(João Ricardo)

...SE MORRE SECO POR NÃO TENTAR...
Indivíduos da guarda apanharam-me na entrada da Área 10, fizeram o teste do Vedder e não encontram o princípio ativo da substância em minha corrente sanguínea. Tentei a fuga, mas atingiram meus membros inferiores com Ig, líquido que paralisa imediatamente a contração muscular.

Fui levado até o cubículo "Alta Proteção da Metrópole", entrevistas e exames foi pelo que passei. No decorrer do dia fiquei anestesiado, dormindo, quando acordei o recinto era outro. Tratava-se de um ambiente de parades de vidro e solo branco, na minha frente estavam dois indivíduos, um com roupagem de coloração azul e outro ser de uma repugnância desnecessária. Pus me a pensar: Por quê ele é desta maneira?

Após conversas entre eles, este, o último do qual comentei acima veio até mim. Em seu crachá escrito estava: Dr. Strangelove. Disse-me que haviam encontrado um pênis em meu cubículo e pelos testes o Vedder em mim não fazia efeito. Desta maneira seria tratado como rato de laboratório, afim de eles encontrarem alguma enzima, que fizesse o medicamento ser metabolizado em meu organismo.

Durante dez dias fiquei a mercê destes homens e de uma mulher, chamada Sabina, mas normalmente a direcionavam como enfermeira. No décimo primeiro fui levado a outro recinto, onde tudo era amarelo, paredes, colchão, roupas e remédios, que Sabina os apilidou de calmantes.

Estranho, mas ela mostrou-se companheira em vários momentos. Conversava comigo e não dava as doses corretas dos medicamentos, falava que queriam que dormisse para que meus desejos fossem realizados nos sonhos. Não entendia isso, mas também não entendia o por quê de tantas perguntas que ela me fazia e me deixava falar por longos momentos.

Dizia que era segredo nossas falas, que não poderia permitir que os outros soubessem. Parecia confiar em mim, então confiei nela, disse sobre meu homicídio e a vontade de cometer novamente. Confessou-me que poderia me curar sem a ajuda de medicamentos e várias outras vontades poderiam ser refreadas não apenas pelo Vedder, mas sim por Análise.

A última vez que a vi, foi um dia após nossa morte, veio e sentou-se ao meu lado, dentro do cubículo. Mencionou que eles não devessem saber de nossos encontros, por isso a todo início de conversa ia a sala de segurança e acionava um dispositivo que cessava o sinal vindo de onde estavamos. Neste dia, ela declarou que encontrou uns livros, num ambiente ali próximo, dois anos atrás, e que vinha lendo os desde então.

Os escritores que estavam sendo indicados nas páginas, segundo ela, eram Freud e Ana, descobriu que algumas pressões e desejos anti-eticos poderiam ser aliviados em conversas e mencionou o termo regressão de memória. Aplicaria em mim naquele instante no intuito de explorar-me para encontrar respostas.

"Estava num cubículo com minha genitora, quando tinha por volta de seis anos, este era de trocas de moedas por mercadoria, fui até uma estante procurar suprimentos feitos de acúcar, ao meu lado estava um indivíduo do mesmo sexo. Começou a dialogar comigo apontando o suprimento mais delicioso, aquele que preenchia a falta de um sentimento. Pegou-me pelas mãos e colocou uma mordaça em minha boca, levou-me até os fundos do estabelecimento e lá manteve relações anti-éticas comigo".



Ao que se diga sobre viver

A possibilidade de continuar dando marcha à vida é dolorida como é o simples fato do presente. Matheus chora sobre a cova de Selton, dois meses se passaram após seu corpo ser posto a sete palmos dessa terra, desse mundo.

A um ano atrás os dois quiseram viver juntos. Se apaixonaram, casaram e depois veio o amor. Como tristezas, também sentiram alegrias. Entraram na justiça para adoção de uma criança, a fim de se tornarem uma família. Lutaram por isso, papéis, idas ao advogado, idas ao Tribunal.

E em uma dessas idas, Selton foi assassinado por um ladrão. O vazio preencheu Matheus e agora que suas lágrimas caem na lápide, não sabe se vai à direita, assinar o último papel para ter seu filho entre as mãos. Ou à esquerda, onde voltará para casa. Sabe que pode dar cabo ao sonho do casal. Ponha a chave na ignição e acelera o carro.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

43

Sob os raios luminosos, emerge uma escrivaninha abarrotada de livros de Jane Austen e Edgar Allan Poe, rascunhos e folhas em branco. Na cama jaz um homem enrolado numa colcha vermelha e ao lado, sobre a mesinha, remédios que fazem o corpo relaxar e levar a mente a um estado de descanso, este estado que faz o inconsciente aflorar por meio de sonhos. O homem que dorme se diz escritor, e na falta de criatividade, assim como Guido Anselmi de Oito e Meio, resolve se internar em seu quarto para buscar inspiração. Aspirava que quando sonhasse iria vislumbrar um conto legítimo, da mesma maneira que considero este que estou escrevendo.

Durante dias sonhou apenas com sua mãe, namoradas, esposa, amante, enfim todas as mulheres que fizeram parte de sua vida. Bom, neste caso plagiei o musical Nine, que sofre influência da obra de Federico Fellini, mas se Guido estava sem idéias, eu também estou. Poderia fazer uma obra puramente artística, mas seria criticado da mesma maneira que Sofia Coppola foi, por ter feito “Maria Antonieta” sem pretensão de averiguar fatos históricos e uma coisa deve ser esclarecida: esta película possui influência da direção do mestre Fellini.

Mas este mero ser humano, que amava ver as flores e as folhas se movimentando graças ao vento, desejava por no papel letras, que se juntavam em palavras, que se juntavam em orações, que se juntavam em frases e assim tudo se tornava um roteiro belíssimo como o de “Closer-Perto Demais” e este insight faz-me lembrar de Natalie Portman dançando ao som de “How soon is now” do The Smiths e sabe, o escritor não desistiu, da mesma maneira que Morrissey quando se separou de Marr. Continuou tomando as drogas, até (esta palavra remete que tive uma boa idéia e vou pô-la em escrito, ou seja, haverá um ápice no conto) (clichê) uma mulher com as feições de Audrey Hepburn e se vestindo da mesma maneira que Julie Andrews em “A noviça rebelde”, que não falava e olhava atentamente para frente, apareceu em seus sonhos.

Meu vocabulário pobre se fixa em palavras do tipo: mas, se, que, assim, pois, quando e outras, mas quais são as palavras que nunca são ditas? (parafraseando Legião Urbana), esta mesma fixação tomou conta de meu personagem. Tinha ganas de ver o rosto de aquele adorável ser, sentir a paz e segurança que passava pelos seus olhos. Desta maneira não ia para a cama para encontrar um belo enredo para por em linhas, mas sim para apreciar as curvas daquela arquitetura a La Oscar Niemeyer.

Após mostrar o texto acima ao meu editor, resolvi não utilizar ligações nas frases e ser o direto possível. O motivo: ordem deste homem que analisa o texto afim de que ele se torne comercial e não uma obra autoral, mas como vivo no sistema capitalista tenho que seguir as ordens, para assim ganhar algum dinheiro.

Bom, então a partir daqui serei breve e a narração acontecerá de modo que atenda as exigências de minha editora. Após observar a figura por vários sonos, algo diferente ocorreu com aquele desenho. A mulher passou a segurar um objeto inesperado, uma cartilha de coloração azul. Na capa desta havia desenhos e palavras que montavam uma frase.

Posto identificado o que havia escrito na parte frontal do livro, este personagem começou uma pesquisa intensa sobre tal aparato que sua garota emblemática levava a mão, descobriu então que aquela cartilha fora usada na época da ditadura, por volta dos meados dos anos sessenta e em apenas algumas escolas como motivo de experimentação. Era de cunho militar e por isso possuía conteúdos que agradavam o Estado. E eis que das seis escolas onde tal engenho foi empregado, estava a deste pobre sonhador, que pensa em um dia encontrar alguém para dividir as alegrias de respirar e viver.

Então, ele não se pôs em sua cama, mas na procura pelos vestígios de seu passado. Voltou no colégio federal que estudara seu Ensino Fundamental (de primeira a quarta série). A volta ao passado trás consigo lembranças, que nos fazem refletir e estancar as feridas para seguirmos em frente e evoluirmos.

Foi à Direção a procura de informações do quadro de professores que lecionaram daquela instituição. A secretária lhe trouxe um tufo de pastas, nas quais havia catálogos dos servidores que por ali passaram. E por sorte, os documentos que foram manuscritos a partir da década de quarenta possuíam fotos em anexo.

Este garoto se afundou sem seus brinquedos, a procura de peça perfeita para completar seu lego. Algumas fotos já não estavam ali, o que havia eram nomes e endereços, na época que passou como discente por aquele lugar, passaram quatro docentes.

Na sua loucura coletou os dados destas pessoas e foi em procura pelas ruas cariocas de suas residências.

Na primeira tentativa não havia mais casa, mas sim uma fábrica de bijuterias. No segundo endereço existia uma casa antiga e de viés clássico. Logo meu personagem principal se animou e então encontrou uma mulher, que não era nada parecida com aquela de sua fixação. Mesmo assim, explicou o caso para tal ser. Esta mencionou que sua sogra tinha sido psicóloga e trabalhou para o governo.

Mas ela, pessoalmente nunca tinha visto a mãe de seu marido. Havia desaparecido em 1969, e o que ainda restava dela eram livros de cunho socialista e filosófico. O homem então pediu para a mulher lhe deixar ver tais pertences, mas esta impôs que apenas seu marido poderia fazer isso.

Dessa maneira ele disse que voltaria mais tarde, e foi à procura dos restantes dos endereços. O terceiro era um internato de freiras vazio, a paróquia resolveu vender o prédio para um grupo de jovens que pretende abrir um bar alternativo, que dê oportunidade a bandas independentes. No último lugar onde encontrou um sebo, nele meu herói entrou e se direcionou aos livros de Psicologia e lá adquiriu a biografia de Freud. Depois de sua aquisição voltou ao segundo endereço, mas ninguém lhe atendeu.

Durante um mês retornava aquela casa e era a mesma situação. Continuava sonhando com aquela mulher, da mesma maneira que lia a biografia e pensava a respeito do que lá estava escrito.

Após vários dias de reflexão, um sonho veio enquanto dormia (isto é obvio): sua mãe lhe impôs a usar um conjunto todo vermelho, depois na escola seus colegas davam risadas e caçoavam, pois além de não ser o uniforme, a roupagem soava ridícula. Sua entrada na sala não foi permitida, aquele momento foi difícil para ser assimilado.

Aquele instante ficou marcado feito trauma em sua memória, isto bloqueou sua mente quando observava objetos vermelhos. O que lhe retirou daquela situação foi uma mão, pertencente a uma mulher de feição calma. Era a mulher de seus outros sonhos. Quando acordou estava enrolado em sua colcha vermelha.