sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um abraço

João Ricardo
Gerson Conrad
Ney de Sousa Pereira
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O próximo paciente, o que se chama solidão, o que se chama morte, o que se chama patologia é o mesmo que se chama tristeza. Maria, na ânsia de não pensar a respeito da receita que daria a tais pacientes, trabalhava no hospital que a catedrou. Sua aposentadoria livrou metade de seu tempo a prazeres pessoais e a outra ao apartamento vazio na Barra. No que diz respeito ao primeiro, trabalha como médica, levando na bolsa a carteira de identidade, que acusa:
Data de Nascimento 30/08/1934.
O que direis, se o que disse é o nome de seu último paciente do dia. Pronuncia Amácio Salles, isto não lhe soa estranho, diz novamente. Sua testa exprime-se e seu cérebro faz ligações.
Senta na cadeira, leva a língua até o céu da boca, estremece o pescoço e olha para a porta. Branca, diferente de sua memória que agora usuflui de uma aquarela de lembranças. E ela se abre, como sua mente, como a morte.
Raciocina: como ele está diferente, seu cabelo ralo e loiro e seus olhos azuis se perderam num rosto enrugado, numa cabeça calva e num andar corcunda. De sua boca, as vibrações produzidas chegam ao ouvido de Maria.
-Espero que se lembre!
-O que fica são acontecimentos que nos marcam, ruins e bons, que o cérebro não apaga! ...E lembro-me de seu abraço.
-Pois me lembro da distância e do que não foi vívido.
-Do último não me lembro, não aconteceu! É, ah ... o tempo não volta e está passando.
-Seria diferente, uma outra vida.
-São escolhas, poderia ter transado com você, casado e envelhecido ao seu lado!
-Seria melhor?
-Apenas seria diferente.
-Bom, acho que não vale lamentar. O meu pai foi morto pelo seu e nós ... não há passado que se torne presente! Estou consumido.
-Então um abraço.
Cordialmente um abraço. Não há movimento oposto dos ponteiros do relógio!


Um comentário:

  1. -Seria melhor?
    -Apenas seria diferente.

    Adoro os teus textos, Eder, porque eles são simples e por trabalhar na simplicidade me toca de uma tal maneira que não posso exprimir em palavras. Seus textos são bálsamos para quem curte boa literatura...

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