segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

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Sob os raios luminosos, emerge uma escrivaninha abarrotada de livros de Jane Austen e Edgar Allan Poe, rascunhos e folhas em branco. Na cama jaz um homem enrolado numa colcha vermelha e ao lado, sobre a mesinha, remédios que fazem o corpo relaxar e levar a mente a um estado de descanso, este estado que faz o inconsciente aflorar por meio de sonhos. O homem que dorme se diz escritor, e na falta de criatividade, assim como Guido Anselmi de Oito e Meio, resolve se internar em seu quarto para buscar inspiração. Aspirava que quando sonhasse iria vislumbrar um conto legítimo, da mesma maneira que considero este que estou escrevendo.

Durante dias sonhou apenas com sua mãe, namoradas, esposa, amante, enfim todas as mulheres que fizeram parte de sua vida. Bom, neste caso plagiei o musical Nine, que sofre influência da obra de Federico Fellini, mas se Guido estava sem idéias, eu também estou. Poderia fazer uma obra puramente artística, mas seria criticado da mesma maneira que Sofia Coppola foi, por ter feito “Maria Antonieta” sem pretensão de averiguar fatos históricos e uma coisa deve ser esclarecida: esta película possui influência da direção do mestre Fellini.

Mas este mero ser humano, que amava ver as flores e as folhas se movimentando graças ao vento, desejava por no papel letras, que se juntavam em palavras, que se juntavam em orações, que se juntavam em frases e assim tudo se tornava um roteiro belíssimo como o de “Closer-Perto Demais” e este insight faz-me lembrar de Natalie Portman dançando ao som de “How soon is now” do The Smiths e sabe, o escritor não desistiu, da mesma maneira que Morrissey quando se separou de Marr. Continuou tomando as drogas, até (esta palavra remete que tive uma boa idéia e vou pô-la em escrito, ou seja, haverá um ápice no conto) (clichê) uma mulher com as feições de Audrey Hepburn e se vestindo da mesma maneira que Julie Andrews em “A noviça rebelde”, que não falava e olhava atentamente para frente, apareceu em seus sonhos.

Meu vocabulário pobre se fixa em palavras do tipo: mas, se, que, assim, pois, quando e outras, mas quais são as palavras que nunca são ditas? (parafraseando Legião Urbana), esta mesma fixação tomou conta de meu personagem. Tinha ganas de ver o rosto de aquele adorável ser, sentir a paz e segurança que passava pelos seus olhos. Desta maneira não ia para a cama para encontrar um belo enredo para por em linhas, mas sim para apreciar as curvas daquela arquitetura a La Oscar Niemeyer.

Após mostrar o texto acima ao meu editor, resolvi não utilizar ligações nas frases e ser o direto possível. O motivo: ordem deste homem que analisa o texto afim de que ele se torne comercial e não uma obra autoral, mas como vivo no sistema capitalista tenho que seguir as ordens, para assim ganhar algum dinheiro.

Bom, então a partir daqui serei breve e a narração acontecerá de modo que atenda as exigências de minha editora. Após observar a figura por vários sonos, algo diferente ocorreu com aquele desenho. A mulher passou a segurar um objeto inesperado, uma cartilha de coloração azul. Na capa desta havia desenhos e palavras que montavam uma frase.

Posto identificado o que havia escrito na parte frontal do livro, este personagem começou uma pesquisa intensa sobre tal aparato que sua garota emblemática levava a mão, descobriu então que aquela cartilha fora usada na época da ditadura, por volta dos meados dos anos sessenta e em apenas algumas escolas como motivo de experimentação. Era de cunho militar e por isso possuía conteúdos que agradavam o Estado. E eis que das seis escolas onde tal engenho foi empregado, estava a deste pobre sonhador, que pensa em um dia encontrar alguém para dividir as alegrias de respirar e viver.

Então, ele não se pôs em sua cama, mas na procura pelos vestígios de seu passado. Voltou no colégio federal que estudara seu Ensino Fundamental (de primeira a quarta série). A volta ao passado trás consigo lembranças, que nos fazem refletir e estancar as feridas para seguirmos em frente e evoluirmos.

Foi à Direção a procura de informações do quadro de professores que lecionaram daquela instituição. A secretária lhe trouxe um tufo de pastas, nas quais havia catálogos dos servidores que por ali passaram. E por sorte, os documentos que foram manuscritos a partir da década de quarenta possuíam fotos em anexo.

Este garoto se afundou sem seus brinquedos, a procura de peça perfeita para completar seu lego. Algumas fotos já não estavam ali, o que havia eram nomes e endereços, na época que passou como discente por aquele lugar, passaram quatro docentes.

Na sua loucura coletou os dados destas pessoas e foi em procura pelas ruas cariocas de suas residências.

Na primeira tentativa não havia mais casa, mas sim uma fábrica de bijuterias. No segundo endereço existia uma casa antiga e de viés clássico. Logo meu personagem principal se animou e então encontrou uma mulher, que não era nada parecida com aquela de sua fixação. Mesmo assim, explicou o caso para tal ser. Esta mencionou que sua sogra tinha sido psicóloga e trabalhou para o governo.

Mas ela, pessoalmente nunca tinha visto a mãe de seu marido. Havia desaparecido em 1969, e o que ainda restava dela eram livros de cunho socialista e filosófico. O homem então pediu para a mulher lhe deixar ver tais pertences, mas esta impôs que apenas seu marido poderia fazer isso.

Dessa maneira ele disse que voltaria mais tarde, e foi à procura dos restantes dos endereços. O terceiro era um internato de freiras vazio, a paróquia resolveu vender o prédio para um grupo de jovens que pretende abrir um bar alternativo, que dê oportunidade a bandas independentes. No último lugar onde encontrou um sebo, nele meu herói entrou e se direcionou aos livros de Psicologia e lá adquiriu a biografia de Freud. Depois de sua aquisição voltou ao segundo endereço, mas ninguém lhe atendeu.

Durante um mês retornava aquela casa e era a mesma situação. Continuava sonhando com aquela mulher, da mesma maneira que lia a biografia e pensava a respeito do que lá estava escrito.

Após vários dias de reflexão, um sonho veio enquanto dormia (isto é obvio): sua mãe lhe impôs a usar um conjunto todo vermelho, depois na escola seus colegas davam risadas e caçoavam, pois além de não ser o uniforme, a roupagem soava ridícula. Sua entrada na sala não foi permitida, aquele momento foi difícil para ser assimilado.

Aquele instante ficou marcado feito trauma em sua memória, isto bloqueou sua mente quando observava objetos vermelhos. O que lhe retirou daquela situação foi uma mão, pertencente a uma mulher de feição calma. Era a mulher de seus outros sonhos. Quando acordou estava enrolado em sua colcha vermelha.

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